O Enigma das Rosas
Por: Lucas Toledo
O Enigma das Rosas
OU
Canteiro Central da Casa Rósea
“Para as rosas, escreveu alguém, o jardineiro é eterno” (Machado de Assis)
O mar de rosas se abriu naquele leve e esquecido canteiro do
quintal, outrora triste e quase morto, do senhor de 85 invernos vividos não tão
gélidos, porém tão intensos, que vivia na sorridente cidade de Amparo. Canteiro redondo, central e que servia de reduto
no jardim que um dia tantos admiraram e que, nesta época em que se passa, era
visto com certo sentimento de angústia pelos que viam de fora. O mar de rosas
só se abriu quando os incansáveis anos de inverno resolveram primaverar-se. E,
assim, temos nosso Benjamin: Saudosista de anos que não voltam mais, nostálgico
de anos de aprendizado – e, por vezes, tido como perdidos – e desbravador de
tantos anos que ainda viveria.
Quando não se tem família, o vazio toma conta do coração.
Mas não é o caso. Sim, era viúvo, de uma perda recente ainda. Porém, sempre
teve atenção de seus filhos, irmãos, netos, sobrinhos e sempre se mostrou
atencioso. O que acontece com o velho Seu Benjamin é seu problema de surdez,
que o impedia de ouvir conselhos, aceitar opiniões, enxergar o que seus olhos
não alcançam e, acima de tudo, entender que as coisas da vida são aprendizados
e, não, martírios.

Ao olhar aquele coração do jardim, tão vazio, Seu Benjamin
quis logo ocupá-lo. Queria tê-lo conhecido para mostrar que o medo se vence
enfrentando-o. Mas ele, machucado de espinhos das roseiras do passado, logo
encatetou-se de que Rosas, definitivamente, não seriam bem-vindas. E então, foi
ter com Bernardo, seu filho, outra forma de dar vida ao seu jardim. O filho,
sempre aberto aos questionamentos do pai, perguntou “De quê valem os invernos
senão a esperança de que sempre a Primavera virá?”, com a perspicaz que o
motivasse a entender que seus invernos vividos foram respostas às suas escolhas
e que apontaram ensinamentos para os que viriam.
Voltamos ao jardim, para o mar de rosas, logo, se abrir.
Cortou-se, sujou-se e sorriu ao ver o resultado de sua vontade em mudar. O que
não esperávamos era de que resultados aparecessem tão rapidamente. Brancas,
Vermelhas, Rosas, Laranjas. Tão lindas e frágeis. Tão intocáveis. Como não se
encantar por elas, refletia Seu Benjamin. E, além do breve surgimento de rosas,
gerando vida e alegria à casa número 30, rósea casa cheia de rosas, os sonhos
que seguiram de Benjamin deixaram tudo tão enigmático e belo. Mágico.
A paixão de rosas por um velho e um jovem por suas rosas.
Perdido – e ainda confuso – nas belezas que tais seres, Benjamin resolveu
aventurar-se. E aventurou-se, com a rosa Branca. Pura, e de tão limpa e clara,
o cativara. E eram poucos espinhos, que o motivavam. Foi se aproximando e
analisando caule, folhas, pétalas, buscando espinhos escondidos.
Após anos de uma roseira tão bela e agressiva – de cor
indefinida – dessecar aquele jardim foi como um processo de mudança, já calhado
nos instantes finais de uma possível tragédia, que o fez ver que seu reduto
podia ser ocupado por tantas cores, que não fossem em tom pastel. E, neste caso, até a Branca era vibrante.
Tropeçou em um toco jogado, do plantio anterior, e
deparou-se com a Laranja. Das pétalas mais macias, que mais pareciam um
sorriso. Como não entregar-se à sua elegância, mesmo que de caule um pouco
diagonal, era ainda mais bela pelas suas diferenças. Percebeu, porém que foi a
rosa plantada mais longínqua de sua varanda, difícil de observar-se de longe.
Mais ainda o cativara.
Não acredito em coincidências, mas se fosse real, estaria,
Seu Benjamin, diante da prova. A prova da Rosa, ainda viva. Ainda porque
retirada de um vaso antigo e recolocada no canteiro. Ainda porque estava
desbotada, frívola, e seca. Ainda porque não depositou a devida esperança.
Esperança, Benjamin! Dócil como nenhuma outra, a nova rosa, a rosa Rosa,
apareceu buscando mostrar seu devido destaque no roseiral da casa rósea. Tinha
espinhos que eram poucos mas tão difíceis de lidar, de se aproximar que, de
medo, Benjamin apenas observou.
Espinhos eram os da Vermelha. Parecia mesmo traiçoeira,
posto que seduzisse até os mais frios olhos. Seu charme destoava no jardim, e
se sentimentos tivessem, os das demais seria inveja. Inútil inveja. Cada rosa
mostrou a Benjamin que tem sua beleza, tem o seu por quê e seus enigmas. Mas
Vermelha, ao ser tocada, apresentou o lado mais singelo, que jamais poderia ser
notado.
As badaladas da nossa Igreja retiraram o coitado Seu
Benjamin de um sonho que mal acreditara. Eu custei acreditar. Fechou os olhos,
e tentou dormir, querendo encontrar o caminho de volta. Mas encontrou um
cenário desolador. O jardim seco, triste, e ele, sem poder fazer nada, só
olhou. Correu logo para o canteiro central, também morto. Apenas uma rosa ali,
existia; e era a de cor indefinida. Agressiva. De pálida, se fez neve; de neve,
se fez nuvem; de nuvem, o mais belo céu. Mas ainda era a pálida. 85 invernos
que queriam primaverar-se e a agressiva e indefinida não podia aparecer.
Outro susto. Talvez um gato derrubando um vaso; talvez o
jornaleiro fazendo seu ofício. A grande metáfora que sua mente criava era de
que ele podia fazer escolhas e suas escolhas refletiriam em frutos. Brancas,
Vermelhas, Rosas, Laranjas, e o mar se abriu.
Água no rosto, roupa trocada e, logo estávamos no jardim.
Rosas vívidas. Mas algo estranho acontecia. Uma sensação de busca por atenção o
tomara. “Qual admirar?”. Parecia, mesmo, que o sentiram sonhar com sua paixão
por todas. Brancas e Vermelhas quase entrelaçadas, buscando a frente do
canteiro; Rosas querendo ser vistas, mas com zelo e um tanto de discrição;
Laranjas, ao fundo, mostrando-se vivas e presentes. Num mar de rosas, qual
admirar? E acordou.
(Outras primaveras vieram. Com mais serenidade o jovem Seu
Benjamin, aproveitou sua vida, mostrou que nunca é tarde e encontrou o caminho
da sua felicidade. Faleceu nos braços e encantamentos das margaridas (ou
violetas, não sei) da vizinha. Mas as rosas permanecem lá, na rósea casa número
30, da Praça da Bandeira.)
(Bisneto de Seu Benjamin. Escrevo após encontrar seu diário,
com anotações simples e profundas também, que me fez admirar mais as rosas com
toda sua magia.)
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