A Longa - e Breve - História de uma Prostituta e um Espanhol Bêbado
Por: Lucas Toledo
E quando mesmo
os relógios dizem não acontecer mais nada, surge Sebastian Gael Porteña. Veio
para o Brasil em busca de oportunidades de emprego e o que não lhe faltou foi a
oportunidade de viver. Mas a vida, que nos apresenta tantas oportunidades, não
nos descreve quais as melhores, quais as indiferentes e quais as irreversíveis
vielas podemos escolher. E Gael começou bem até. Com 26 anos, descia do ônibus
5166 na Sé e procurava encontrar seu caminho. Não caminhou muito. Encontrou na
Rua Direita aquilo que nos próximos 5 anos seria sua vida: O Chapeleiro.

A segunda viela
foi indiferente. Não pensem que o final da historia só se dá por triste porque
o espanhol bebia. Adorava a pinga de Salinas. E ele era feliz. Continuava a
trabalhar, mas de atendente se tornou o Gerente do Chapeleiro, e trabalhava com
sua maior dedicação. Sempre foi um homem que tentava esquecer o passado europeu
e viver o presente brasileiro. Não tinha muitos amigos e desde sua vinda em 83,
teve maior afeição por três pessoas: Demétrio, seu chefe e parceiro de Black
Jack(seu outro vício); Sá Marina, mãe de santo e sua vizinha de fundos do
sobrado; e Zé Manoel, filho de uma mulata com um português e também o dono do
Bar.
Como já disse,
nem mesmo os relógios esperam que algo aconteça nesse horário, mas aconteceu.
Às 4 horas da manhã, Gael ainda estava no balcão do bar de Zé Manoel, em 2
atos: virando sua dose de pinga e dizendo não mais querer beber. Disse que Sá
Marina quem lhe pediu isso. “Ou te apronta já ou será o mesmo espanhol bêbado
da Direita pelo resto dos mundos”. Sá Marina não costumava errar, mas também
omitia o motivo de ter sido expulsa do terreiro e ter o titulo de “mãe”
arrancado de si. Depois de ouvir Sá Marina repetir várias vezes, o nosso Gael
procurou Demétrio. Queria ter uma opinião. Não estava. E então voltamos ao 23
de Agosto, às 4 horas da manhã do dia 2 de outubro. O momento em que os dois
lados da terceira viela apareceram para o rapaz.
J.G., 26,
prostituta. Nasceu em Maringá, mas foi criada pela tia em Jundiaí. Aos 15 anos,
fugira de casa ‘em busca de oportunidades’. Pelo jeito, a vida não lhe ofereceu
tantas vielas. Nunca se sentiu bem na vida... Queria desenhar roupas, depois
pensou em desenhar prédios mas acabou mesmo encontrando na prostituição a sua
única saída. Vamos tê-la por Maria, afinal ela ainda resguarda sua identidade.
Maria tinha ponto fixo na Ipiranga, no alto da Consolação, mas morava na Rua da
Quitanda, a poucos metros do nosso Éden de hoje. Maria acordou dizendo não
querer trabalhar. Mas dizia isso todos os dias. E sempre se acabava na bebida
pelos bares do centro paulistano. E o bar de hoje era o 23.
A terceira (e
última) viela foi a irreversível. Gael não havia se envolvido com nenhuma
mulher aqui no Brasil. Era galanteador e abusava disso, mas nada passava de uma
noite. E não conhecia Maria. Ela, em sua grande discrição, se apresentava como
uma dama e não esboçava nem ao menos um pouco sua profissão. Seus olhos, seu
sorriso, sua voz. Encantadora. “Ella! És ella”.
Para ele, Sá Marina estava certa: tinha que parar de beber, tinha que
ter um futuro, uma família e aquela mulher.
Mas não era
isso. Demétrio, já se sentindo muito desgastado da vida, resolveu que iria
morar com seu irmão, na Capital, e para isso, deveria desfazer-se do
Chapeleiro. Foram poucos anos, mas Demétrio sabia que era a coisa certa a
fazer. Gael seria um excelente proprietário, quem sabe até não retomasse os
tempos de glória do mercado. Era isso que Sá Marina dizia.
A vida sempre
apresenta oportunidades, mas não esclarece para nós qual a melhor escolha que
devemos fazer. Não nos basta esperar e ver o que acontece. Devemos ir atrás,
tentar descobrir o melhor, sermos melhores. Nem sempre acertamos. E a vida nos
ensina que erramos; muitas vezes, de forma dura.
Parecia feitiço!
Maria, que não queria nada demais naquele bar, apenas afogar-se em angústia e
desilusão, viu em Gael uma saída. Ela amava um homem, um militar com quem se
envolveu numa viagem no litoral. Mas ele a esnobava (e não sabia do seu
ofício). Ela precisava de alguém, que realmente a satisfizesse, mas que não a
interessava. E foi Gael o escolhido. Nas noites lancinantes em que viveram,
Gael se via cada vez mais envolvido.
Não sei se
serve de conselho, mas os relógios já avisavam: Depois das 4 horas, nada
acontece. Não se aflija. As vielas da vida estão traçadas e é preciso sabedoria
para melhor escolhê-las. Deve ser isso: Tornamo-nos mais burros depois das 4
(vou escrever sobre isto).
Maria não quis
mais Gael. Maria já tinha conquistado o que realmente queria: a atenção do
milico. Mas também não largou sua profissão. Menos que isso, não largou sua
baixeza. Com os mesmos olhos e dentes conquistou Demétrio. Ela chegou tão
baixo, num nível sub-humano. Fez com que o velho alterasse a carta de posse do
Chapeleiro para ela. Fez com que Gael não enxergasse o caminho da vida. Fez com que o espanhol bêbado não visse que
do outro lado da viela havia uma nova calçada, e o levaria longe. Às 4 horas do
dia de Finados, Sebastian Gael Porteña se joga do Viaduto do Chá para nunca
mais procurar outra oportunidade. Gael
encontrou a viela da eternidade.
Que lindo!!!! 💗
ResponderExcluirQue lindo!!! 💗
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